Se as mulheres são a maioria do eleitorado, isso significa que somos nós que decidimos o futuro político do país? A resposta mais curta é “não”. Mas vamos tentar desenvolver melhor.
As mulheres conquistaram
direito ao voto no Brasil há 80 anos. Mas isso não valeu durante cerca de metade desse período, já que houve duas grandes interrupções na ordem democrática: o Estado Novo, de 1937 a 1945, e a ditadura militar, de 1964 a 1984. Além de suprimir o direito ao voto, as ditaduras quebraram o processo de construção da democracia, com restrições à existência de partidos políticos, censura, etc.
Digo construção da democracia porque esta não chega pronta e acabada. E também não é perfeita. Existem muitas limitações no nosso modelo de democracia e muitas variáveis em jogo – mexer em cada uma delas pode afetar as outras. Esse é o desafio de se pensar em projetos de reforma política. Algumas propostas devem ser votadas pelo Senado nesta quarta-feira, dia 21.
Corrupção
Uma dessas propostas é o financiamento público de campanha. Um dos problemas com o modelo político que temos hoje é que é muito caro concorrer a um cargo público. O custo das campanhas já seria alto levando em conta apenas itens como o deslocamento do candidato, a contratação de uma equipe de apoio e a confecção de materiais de campanha. Juntou-se a isso o preço do marketing, os estrategistas renomados, os programas para televisão, pesquisas de opinião, e muitos etc., etc., etc.
Esse quadro tem dois efeitos. O primeiro é afastar quem tem menos dinheiro da possibilidade de se candidatar (e caso se candidatem, da possibilidade de vencer). O segundo é que políticos e partidos se tornam, em muitos casos, máquinas de ganhar dinheiro para continuar concorrendo e existindo. Das duas formas se dificulta a renovação e, consequentemente, a presença de mulheres nos cargos públicos.
Lawrence Lessig, um americano professor de Direito, conhecido por seus trabalhos na área de direitos autorais, vem se dedicando mais recentemente a estudar a corrupção. Segundo ele, o problema com a corrupção hoje em dia é menos a propina clássica e mais o lobby e o tráfico de influência. Ou seja, o fato de as tomadas de decisão serem afetadas pela expectativa de ganho econômico. Um dos exemplos que ele dá foi uma discussão no Congresso dos EUA sobre quem deveria pagar a taxa do cartão de crédito – os bancos ou o estabelecimento comercial – que foi o tema que ocupou mais tempo dos parlamentares em 2011, enquanto o país estava metido em duas guerras, no meio de uma crise econômica e discutindo o sistema de saúde. No Brasil, bancos e empreiteiras são os principais doadores dos grandes partidos.
Ele defende, como resposta a esses problemas, o financiamento público de campanha. Muitos argumentam que o financiamento público jogaria essas contribuições para o caixa 2, o que seria um impasse para o acompanhamento. Mas o financiamento público não só corta a principal fonte de entrada de dinheiro e influência, como também força o barateamento das campanhas. É verdade que sozinho, o financiamento público não resolve todo o problema da corrupção. A transparência e controle das contas públicas continuam sendo mecanismos fundamentais e devem ser ampliados.
Organização
O sistema político brasileiro passa pelos partidos políticos. Para concorrer a um cargo público, é preciso ser filiado a um partido. Isso porque o partido é (ou deveria ser) mais que um ajuntamento de pessoas com finalidade eleitoral; é (ou deveria ser) um espaço de construção de um projeto político/ideológico que dê conta dos muitos aspectos da vida pública. Os partidos se desenvolveram à medida que os temas políticos se tornaram mais complexos e se tornou difícil para um indivíduo abarcar tudo.
Porém, a institucionalização necessária para dar conta dessa complexidade pode se tornar um entrave para a entrada de novos participantes – tanto indivíduos como grupos. A baixa representatividade das mulheres nos cargos públicos começa nos partidos. Mesmo abaixo do ideal – a paridade –, a regra de um mínimo de 30% de candidatas mulheres não foi cumprida pela maioria dos partidos. O caminho para muitas feministas (embora não seja consenso) é a lista fechada alternada.
Atualmente, a eleição para os cargos proporcionais é feita por uma lista aberta. Cada eleitor vota em um candidato de um partido, coligado ou não a outros; somam-se todos os votos que o partido ou coligação tiveram para saber a quantas vagas terá direito; faz-se uma lista dos candidatos mais votados dentro de cada partido ou coligação; entram os mais votados até o número de vagas. Com a lista fechada, a ordem dos candidatos seria definida pelo partido e entrariam candidatos de forma proporcional aos votos recebidos.
A crítica feita a esse modelo é que coloca poder demais dentro dos partidos e tira poder do eleitor. O fortalecimento dos partidos, que passa também por pontos como a fidelidade partidária e o fim da coligação em cargos proporcionais, é desejável, pois tira o foco da pessoa e leva para o projeto político. Mas junto a isso é necessária a ampliação de mecanismos de democracia dentro dos partidos.
Participação
Os pontos citados – financiamento público, transparência, lista fechada alternada e democracia interna nos partidos – podem ajudar a aprimorar o modelo democrático, inclusive ao reaproximar as pessoas da política e tirá-las do desânimo e da descrença. Mas não resolvem a principal contradição da democracia representativa: o fato de que existe um intermediário entre o cidadão e o poder.
É comum pensarmos que nossa parte está feita quando apertamos o botão verde na urna eletrônica; e é comum ouvirmos frases como “votou errado, vai ter que aguentar por quatro anos”. A eleição é, realmente, um evento importantíssimo, mas não pode ser o único. O cidadão pode e deve continuar participando mesmo depois do voto, pode e deve cobrar dos políticos, mesmo que não tenha votado neles. Ao mesmo tempo, a deficiência das eleições vem transparecendo em muitos dos movimentos que emergiram no último ano, como os indignados da Espanha ou o Occupy Wall Street.
Outros mecanismos de acesso ao poder são conhecidos como democracia participativa e democracia direta. Na democracia participativa, estão as instância de consulta à população: orçamento participativo, conselhos gestores em equipamentos públicos (como postos de saúde e parques). As conferências – como a de
Políticas para Mulheres e a
LGBT – também estão nessa categoria. Nesses espaços, a presença das mulheres é muito maior. Nos conselhos gestores da área de saúde, por exemplo, é muito comum que o número de mulheres ultrapasse o número de homens. Isso mostra que a baixa representatividade nos poderes executivo e legislativo não se deve à falta de interesse das mulheres por política.
A democracia direta se dá, normalmente, por meio de plebiscitos e referendos, mas a internet promete novas possibilidades. Ideias como e-democracia ou ciberdemocracia vêm ganhando seu espaço. A internet é, aliás, uma fonte de inspiração e inquietação. Seu funcionamento tende a ser mais horizontal, já que ninguém é dono ou presidente da rede.
A democracia precisa da presença das mulheres para ser efetiva; e as mulheres precisam de uma democracia efetiva para lutarem por igualdade. Para que o futuro político do país seja decidido por homens e mulheres.
Blogueiras Feministas